Homenagem aos 80 anos do Sr. Anápio

Fase Heroica

Nos tornamos sócios Beatriz e eu em maio de 1977 pela mão da Helga e do Jorge Ruhl. O presidente que nos aceitou era o saudoso Peter Smith, mas como entramos no final de seu mandato, mas quem realmente nos recebeu como sócios foi o Harro Kuss e a Magda.
Naquele tempo nós não tínhamos ecônomo e quem atendia o bar eram os empregados do Clube e toda a despesa era, como ainda é anotada em vales.

Almoços, durante a semana, não havia, e como jantar os tenistas conseguiam, no máximo um baurú. Somente domingos ao meio dia, seu Alcides fazia um churrasco com a carne comprada pelo diretor de bar, as saladas, as mais simples possíveis.
Nas tardes de domingo tínhamos o nosso “five o’clock tea” o qual era servido sempre pela nossa “primeira dama”, ajudada por outra sócia e nós, obedientes, formávamos fila e esperávamos pacientemente a nossa vez. As tortas e os doces servidos, eram comprados ou feitos em casa e trazidos por sócias previamente requisitadas pela diretoria.
O Diretor de Bar era Woods Staton II, um americano, cuja família era dona da filial da Coca Cola local e ele fora enviado para trabalhar aqui. Os negócios o mantinham por demais envolvido para se ocupar do cargo e o Harro me convidou, então, para ser “Capitão do Bar”, ou seja, criou um cargo para remediar a situação sem melindrar ninguém.
Eu era o sócio mais novo do Clube, não conhecia ninguém e mal sabia como as coisas funcionavam; mesmo assim aceitei e o Harro, resolveu me explicar como ele e Magda controlavam tudo. Segundo ele, muito fácil! Ele tinha bolado um sistema que se baseava no seguinte; cada mercadoria tinha seu preço e este era também o seu código para controle de estoque. Preços coincidentes eram elevados ou rebaixados em um ou dois centavos para se diferenciarem. No final da semana, já que o movimento não era grande, ele e Magda separavam os vales pelos seus valores e davam baixa no estoque. Controlando-se as entradas de mercadorias, sabendo-se quantas fatias de queijo, presunto, tomate etc. eram usadas em um sanduíche, computando-se as vendas representadas pelos vales etc. etc., depois era só dar baixa nas fichas. Segundo ele uma barbada! Mas a eficiência germânica dele era muito maior que a minha. Acabei inventando um outro método que nem de longe tinha a eficiência do existente, mas quebrava o galho...
Como o Cássio e Fábio (o Gustavo ainda não existia) eram pequenos, passávamos os domingos no Clube onde, além de espaço e segurança, havia crianças da mesma idade. No final da tarde, principalmente no verão, ninguém estava a fim de ir para casa e providenciar o jantar da família. Então nos ocorreu a ideia de convocar nossa empregada, que era uma ótima cozinheira, para realizá-los no Clube aos domingos. A diretoria concordou e ela topou, pois além de um dinheirinho extra, tinha enorme prazer em cozinhar.
Assim durante muito tempo a Eloana ia ao Clube, lá pelas seis horas, e junto com a Beatriz faziam um balanço de nossas provisões e decidiam qual seria o “prato único” que seria servido. Com esta informação, indagavam de cada um dos presentes quem ficaria ou não para a “janta”. Eram refeições alegres e concorridas que tornavam as aborrecidas noites de domingo em momentos divertidos, prazerosos e de muito bom convívio. Acho que foi daquela época a tradição, de sentarmos todos em uma enorme e única mesa nas noites de domingo.
Algum tempo depois, o Sammy e o “seu” Darcy, que eram garçons, foram transformados em ecônomos. A Laura, mulher do Sammy, sabia cozinhar e ele conhecia todo mundo. O combinado foi que o Clube financiaria o estoque inicial e emprestaria maquinário e utensílios. Foi, também, nesta época que o Jorge Ruhl ensinou a Laura a fazer o “Picadinho à Maria Luiza” e as “Panquecas Carameladas”, que até hoje permanecem, com grande sucesso no cardápio.
O atendimento do Sammy era exemplar, ele jamais dizia “não dá ou estamos em falta”. Se alguém pedisse alguma coisa que não tinha, o Sammy sai correndo, pegava um táxi, ia até uma padaria próxima e voltava pedindo desculpas pela demora... Tanta gentileza tinha seu custo e o negócio começou, financeiramente, a não ir tão bem. Tivemos que parar com tudo, o Sammy voltou a ser nosso funcionário do jardim e garçom nos finais de semana e o seu Darcy voltou pra Maquiné.
Lembro deste final vendo a Anna Cirne Lima, como sempre cheia de iniciativa, com uma mangueira na mão comandando os poucos empregados em uma super faxina da cozinha. Era uma época heroica. O Clube era realmente “feito à mão”.
Ai alguém descobriu um sujeito cujo tio era chefe do Center Park Hotel (o mais novo e luxuoso da época) e que toparia ser nosso ecônomo. O presidente era o André Cirne Lima, que o contratou. Ficamos todos maravilhados com os Cocktails que o moço fazia, super enfeitados e servidos em taças especiais. Mas isto era tudo o que ele sabia fazer, tivemos que dispensá-lo, e voltamos à estaca zero...

Fase Anápio

Naquele verão, um amigo meu, Flavio Casaccia, dono do Hotel Atlântida, perguntou se eu não teria como aproveitar, no Clube, um casal que cuidava do serviço de restaurante do seu hotel durante o verão e, no inverno, trabalhavam num Clube de Caça em Bento Gonçalves, mas não estavam muitos satisfeitos com esta última atividade.
Depois de conversar com o casal convidei-os a visitar o Clube e apresentei-os ao André, que ainda ressabiado com o fracasso do último ecônomo, achou melhor “dar um tempo”. Assim continuamos nos virando sozinhos...
No verão seguinte reencontramos o casal candidato, e o assunto Clube, voltou à pauta. Uma nova reunião, foi marcada com André que resolveu aceitá-los, já que estava em fim de mandato. E assim, em maio de 1983, o Sr. Anápio e a Dna. Daisy começaram a trabalhar conosco.
O início foi muito difícil, pois não tínhamos nenhuma frequência de sócios durante a semana, exceto alguns tenistas à noite
Dois meses depois, já com o Roní Gomes de Presidente e eu como Diretor de Bar, o Sr. Anápio nos chama para dizer que não ficaria, pois o faturamento não dava para pagar um único garçom. Resolvemos, então, “emprestar” o Sammy para trabalhar com ele nos comprometendo, também, de ajudar a incrementar o faturamento do economato.
A necessidade de morar em Porto Alegre obrigou o Sr. Anápio, muito constrangido, a me solicitar uma fiança locatícia, cuja responsabilidade o Roní fez questão de dividir comigo. Depois de tudo assinado e nossos cadastros aprovados, a imobiliária dispensou o Roní, informando que o meu aval era suficiente. Perdi o “sócio” e ganhei uma preocupação. Eu mal conhecia o Anápio. Cerca de dois anos depois recebi o contrato quitado e liberado, ele tinha vendido um apartamento em Bento e comprado um aqui. Valeu a experiência. Foi uma prova de bom caráter e serviu para pautar todas futuras negociações dele comigo e com o clube.

Para incrementar o movimento, decidimos apoiar e dar força às “festas jovens”, tão solicitadas à época. Tinha tudo para dar certo, pois só se necessitava de copos plásticos, cervejas, refrigerantes e um bom som. Nas primeiras festas foram vendidas umas 100 entradas. Nas seguintes, o número foi dobrando. Às vezes vínhamos, de madrugada, fiscalizar. No salão, alguns jovens dançando e nos jardins um bando enorme namorando. Na quarta ou quinta festa o portão teve que ser fechado e os organizadores tiveram de chamar a polícia, tal a quantidade de gente querendo entrar. Os jovens haviam perdido o controle. Até então tinha sido bom para o Clube, que recebia parte das entradas e maravilhoso para o Anápio, que vendia cerveja adoidado. Tivemos que parar e começamos a incentivar os próprios sócios a usar mais o nosso restaurante.
Inscrevi a Neiva, que estava recém começando, em um curso de culinária internacional, dado pelas senhoras da sociedade em prol de alguma instituição, e ela começou a “treinar”, cozinhando para os tenistas das terças-feiras à noite. Fazia um prato novo a cada semana. Era o máximo da sofisticação para quem contava somente com o baurú e o guisadinho à “Maria Luiza”.
Posteriormente já na minha gestão, tendo o Raul Hemb como Diretor de Bar resolvemos sofisticar um pouco nosso “restaurante”. Compramos jogos completos de copos de cristal e louças, tudo gravado com logotipo do Clube, (da qual, infelizmente, muito pouco resta.) além de toalhas e outros apetrechos. Ele se meteu na cozinha ensinando tudo o que sabia à Neiva, agora já mais experiente e cheia de vontade. Levou livros com ilustrações, convenceu nosso ecônomo a usar especiarias e condimentos mais sofisticados para obter melhores resultados. Começamos, então, a promover jantares especiais que vieram a formar nosso atual cardápio.
Este despertar gastronômico levou todos aqueles que tinham algum pendor culinário a dar palpites e receitas para Neiva e ai coloco, a Lote Hemb, a Mara Hemb, a Beth Esteves, o Luiz Ignácio Medeiros, o Betinho Becker, a Roseli Becker, o Zé Maria Cirne Lima e o Felix Almeida (nos vinhos), a Beatriz Goldschmidt, que foi por várias vezes Diretora de Bar, até hoje continua selecionando receitas e fazendo cardápios e além destes, muitos outros deram sua contribuição.
Uma outra mudança digna de nota (se não me engano introduzida pelo Celso Bopp) foi a de trocarem a maneira de servir. Aposentaram-se as travessas e os pratos passaram a serem “servidos à Inglesa”, isto é, “empratados”. Isto proporcionou uma melhor apresentação deles lhes dando mais requinte e sofisticação.
Dos três filhos do casal, o mais velho optou por permanecer na serra e os dois menores, Gilnei e Elinei ( Nenê ), acompanharam os pais e posteriormente começaram a participar dos trabalhos do economato. Nenê, atualmente, cuida da parte administrativa e Gilnei que cuidava da parte operacional, tendo inclusive feito o curso Superior de Hotelaria, infelizmente, veio a falecer em 1995.
Pouco a pouco o Sr Anápio foi ganhando experiência, procurando alcançar metas tidas como impossíveis, ou seja, realizar festas de alto nível contando com uma minúscula cozinha obrigando a Neiva a fazer milagres! E ela, que veio do interior, menina simples, foi se aprimorando, fazendo cursos, conversando e, principalmente, ouvindo pessoas experientes no assunto e se tornou hoje uma verdadeira “Chef de Cuisine”
Hoje temos a fama de ser um dos lugares onde melhor se come na cidade, aliado a um ambiente sofisticado, refrigerado e sumamente aconchegante, servido por uma equipe de garçons que, alem de excelentes profissionais, conhecem todos os sócios pelo nome, inclusive as crianças.
Peço escusas se a minha memória me pregou alguma peça, levando-me a trocar ou omitir nomes ou datas. O importante é que fique este registro para que nossa estória não se perca na memória.


Erico Goldschmidt
Maio de 2003